Todo dia parece um pouco pior.
Sim, todo dia eu abro o relatório KDP, olho e penso: não tá bom. Todo dia também eu reflito que não está bom mas está normal, que os números provavelmente refletem uma média satisfatória do que é o mercado literário independente dos romances de época está vivenciando recentemente.

O burburinho está em todo lugar. Nos Estados Unidos só se fala nisso: em como as autoras de romance de época estão sendo desconvidadas a escreverem livros do gênero e sendo constrangidas (escreve ou não te publico!) a se dedicarem a outros “romances”.

Contextualizando, o romance de época que lemos aqui no BR não é nosso. O gênero não surgiu aqui e as tendências não nos pertencem. Tudo o que fazemos vem do mercado estadunidense, que dita as regras de um romance que se passa, pasmem, na Inglaterra em sua maioria. Então, quando a onda se forma por lá, não demora muito para o tsunami nos atingir, aqui.
Esse fenômeno da derrocada do romance de época é algo que observo entristecida há aproximadamente um ano. Eu analisava o mercado nacional como um todo partindo de duas problemáticas que pareciam determinadas a afundar totalmente o gênero em areia movediça:
- Muita gente decidiu escrever romance de época desde 2020, acreditando que havia um mercado promissor (entenda-se por farto, rico e em crescimento) para o gênero, o que não é verdade e;
- O romance de época é extremamente focado em histórias regenciais e vitorianas, todas com os mesmos elementos que se repetem em um círculo interminável da mesma coisa que, em algum momento, sobrecarregaria o mercado de livros iguais.
Elaborando um pouco mais, o mercado de RE é pequeno, nichado e restrito. Existe um grupo de leitoras que aprecia o gênero e esse grupo não está crescendo. Talvez o fenômeno Bridgerton tenha iludido algumas pessoas a acreditarem que a série de sucesso da Netflix (com o dedo mágico e apodrecido de Shondaland) impulsionaria um crescimento frenético de leitoras de RE, mas isso não aconteceria apenas porque a série é audiovisual.
O público audiovisual não é público leitor. Quem vê TV não necessariamente lê livros. O enorme sucesso da série não é, nem seria, o enorme sucesso do RE como um todo.
Mas o problema começou antes, durante a pandemia da COVID-19, quando muita gente confinada começou a ler (e quem já era leitora passou a ler muito mais). Ali também se criou uma ilusão de mercado leitor que não se sustentaria com o passar dos anos e com a retomada da vida das pessoas.
Em resumo, chegou muita gente escrevendo RE, o que por si só dissolveria as leituras entre muitas autoras, e o público passou a ler os mesmos livros em bem mais tempo, porque voltaram à vida “normal”.
Sobre as histórias todas iguais, isso é mais uma percepção minha de que, um dia, as leitoras vão se cansar e procurar outros gêneros para um refresco de novidade. Eu não aguento ler a mesma história o tempo todo, com as mesmas tropes e os mesmos elementos, então julgo que há mais gente como eu perdida por aí.
Mas a coisa degringolou bastante na minha análise de autora independente quando a gringa esclareceu o que é provavelmente o ponto zero da queda dos números do romance de época: as editoras não querem mais o gênero. Elas podem até ainda publicar as grandes autoras renomadas, mas estão evitando novos livros de RE e solicitando que suas autoras migrem para outros nichos. Com isso, cai integralmente o investimento no RE, o marketing esmorece e não se fala mais nele. Como não se fala mais nele, as pessoas acabam não vendo mais novidades, no mesmo momento em que são bombardeadas pelas novidades de outros livros.

Link do fio: https://www.threads.net/@harperstgeorge/post/DC433onSZWm
É aqui que o problema pode ficar sério para nós, autoras independentes de romance de época. Editoras decidem o que as leitoras vão ler e, consequentemente, nos empurram para o fundo da prateleira.
Como o mercado independente e o tradicional são bem distintos e muitas das regra de um não se aplicam para o outro, há um chamado na gringa para que as autoras de RE sigam suas próprias pernas e publiquem fora do mercado tradicional.

Link do fio: https://www.threads.net/@vanessarileyauthor/post/DC8g6b3R00T
Parece mais um grito de desespero do que uma solução a curto prazo, já que o RE, nos Estados Unidos, é um nicho tradicionalmente de editoras. Mesmo que tenhamos uma explosão de publicações independentes por lá, assim como temos por aqui, a verdade é que a leitora continuará esperando a brochura da Avon aparecer na livraria mais próxima.
Sem contar que, sim, a leitora de RE é tradicionalista e não gosta muito de mudanças. Uma transformação radical no gênero vai provavelmente criar outro nicho dentro do próprio romance de época e não necessariamente vai agradar àquelas que estão acostumadas aos romances tradicionais.
Há quem tenha mais esperança porque, como também sabemos, mercados possuem fases (e tudo acaba voltando, até mesmo a horrorosa saia balonê):

Para ler o fio todo: https://www.threads.net/@_elizabethmay/post/DC9OlvWoAWd
Talvez eu seja um pouco mais pessimista ou realista, mas a verdade é que autoras precisam pagar suas contas (que vencem implacáveis todo mês) e o sentimento de que “o RE está morto” se dá pelo fato de que a perda de investimento no gênero leva a uma debandada de leitoras para outros nichos.

Link para o fio: https://www.threads.net/@glynniscampbell.author/post/DC9_LxFy9xE
Porém, uma coisa não posso discordar: a autopublicação sobrevive aos terremotos. Ser independente nos dá mais liberdade para resistir às demandas puramente mercadológicas e nos permite manter gêneros vivos enquanto eles naufragam na publicação tradicional.
Soluções para agora? Não temos. Continuo observando o que está acontecendo, mas sei que o mercado do RE está experimentando uma baixa significativa e muitas autoras estão migrando para outros gêneros ou insistindo, acreditando nas leitoras fiéis que adoram exatamente a mesmice e a historicidade do gênero. Há também aquelas que debatem sobre um possível e necessário rebranding do gênero para despertar o interesse de novas leitoras (o que acabaria por chatear um pouco as leitoras fiéis), como é o caso da Joanna Shupe:

Para ler o fio todo: https://www.threads.net/@joannashupe/post/C7Xtu_Ogtix
Se precisamos de uma completa reformulação do gênero ou se o problema é como uma virose (não tem remédio, é só hidratar e esperar passar), também não sei. Posso apenas garantir que eu sou resistência. Escrevo ROMANCES e ROMANCES DE ÉPOCA são histórias que eu quero contar por muito tempo, ainda.