Tenho uma visão complicada. Aos 10 anos coloquei óculos e não tirei mais. Em 2002, me aproveitei da evolução da medicina e fiz a cirurgia refrativa e me vi enxergando sem lentes pela primeira vez em muito tempo. Só que, em 2019, a retina do olho direito descolou e tive que passar por uma vitrectomia. Em 2023 minha visão voltou a piorar nos dois olhos e diagnosticaram catarata. Operei em 2024, para, há uns 45 dias, descobrir que a retina do olho esquerdo também descolou.

O médico tentou um procedimento menos invasivo que não funcionou, então aguardo minha segunda vitrectomia acontecer amanhã.
Na primeira vez que a retina rompeu, eu estava escrevendo meu primeiro romance de época. Tinha começado a planejar Um Duque para Chamar de Meu e já rascunhava alguma coisa quando aconteceu. Eu trabalhava como professora, basicamente, e escrevia porque é a coisa que mais gosto de fazer. Não me via como uma autora profissional, mesmo que meus livrinhos já produzidos estivessem na Amazon.
Naquela época eu era uma artista. Ponto final.
Hoje eu ainda sou, mas a notícia de uma nova cirurgia, com pós-operatório difícil e demorado, me fez lembrar que também sou uma trabalhadora do mercado literário, com prazos, metas e números para cumprir.
Meu livro, planejado para 15 de dezembro (já atrasado em razão dos diversos procedimentos que fiz esse ano), teve que ser antecipado em quase 20 dias. Cumpri meta sobre meta, prazo sobre prazo, dormi muito mais tarde do que costumo e não fiz nada além de escrever, revisar, editar, diagramar, planejar divulgação.

Tem uma diferença (nada) sutil entre quem escreve porque é artista e quem “vive da escrita”, principalmente quem é autora autopublicada. O artista transpira, inspira, segue seu rumo e seu tempo. Eu preciso que isso tudo se encaixe em uma rotina nada amigável.
Não significa que o livro do artista seja melhor ou diferente do livro de quem produz para sobrevivência. Nem que essas duas pessoas não coexistam, porque é o que acontece com muitas de nós.
A diferença real é como o “eu autora” se vê, se percebe e se posiciona no mundo literário.
Meu “eu autora” é uma artista que vive de escrever histórias de amor e vender livros. Ela é caótica, estressada, meio histérica, chuta portas e faz quase tudo sozinha. Essa pessoa tem posicionamento claro no mercado, na política e na vida, e sabe que seus livros são, além de obras de arte, produtos comerciais com público alvo e consumidoras exigentes.
E você, como é o seu “eu autora”? Já fez esse exercício?
A gente se vê depois da minha recuperação. Beijo grande.