Quem é leitora de romances de época já deve ter se deparado com diversas histórias que narram as desventuras de um bastardo no século XIX. A diva Lorraine Heath tem uma série inteira sobre bastardos, a série dos Irmãos Trewlove, e o último volume foi lançado recentemente em português, pela Editora Harlequin. Outras autoras como Tessa Dare e Lisa Kleypas também já mexeram com o tema e a Sarah MacLean é outra com uma série cujos protagonistas são bastardos.
Por mais que esse tema seja recorrente nos romances de época, ainda há muita confusão sobre todas as nuances jurídicas que envolviam a questão das crianças consideradas “born on the other side of the blanket”. Como há sensíveis diferenças entre a evolução da lei a respeito de filhos ilegítimos, decidi fazer uma compilação de informações sobre o que eram as crianças bastardas na Inglaterra no Século XIX e XX. Peguem a pipoca!
O que torna uma criança ilegítima é o status dos pais quando da sua concepção. Crianças legítimas são aquelas concebidas por um homem e uma mulher casados ou ainda não divorciados. Se pai e mãe não são casados entre si a criança é ilegítima ou bastarda. Se pai e mãe são casados com outras pessoas, a criança é considerada adulterina.
Era. É preciso considerar duas coisas sobre a ilegitimidade: nada disso mais tem lugar na tradição jurídica ocidental. Praticamente todos os países ocidentais (não me recordo agora de nenhum que esteja de fora) já aboliram quaisquer diferenças normativas entre os filhos, sendo todos iguais perante a lei. Assim, não se pode (deve) mais falar que uma criança é bastarda ou ilegítima, menos ainda adulterina (que era o pior status atribuído a um filho), pois esses termos foram todos eliminados da lei – e precisam também ser eliminados da nossa cultura.
Para essa mudança acontecer foram necessárias muitos anos de evolução social, cultural e legislativa. Na Inglaterra, a linha do tempo das leis que foram modificando a situação jurídica das crianças bastardas e adulterinas foi a seguinte:
Legitimacy Act de 1926
Essa foi a primeira lei britânica sobre a legitimação de filhos. Ela teve origem em uma campanha realizada pelo Conselho pelas Mães Solteiras e seus Filhos (Council for the Unmarried Mother and her Child), fundado em 1918.
A lei autorizava a legitimação de filhos pelo casamento imediato de seus pais, o que significava que nem homem, nem mulher, estivessem casados à época da concepção. Ou seja, a criança não podia ser adulterina.
Quem propôs a lei foi Neville Chamberlain, que se tornou Primeiro Ministro posteriormente e era presidente do Conselho para Mães Solteiras e seus Filhos.
Legitimacy Act de 1959
Essa nova lei permitiu a legitimação de crianças adulterinas, cujos pais não estavam livres para se casarem durante a concepção/nascimento, mas se casaram posteriormente.
Notemos a necessidade de um casamento para legitimar as crianças. Se os pais não fossem casados, toda criança era considerada ilegítima até esse momento.
Family Law Reform Act 1969
Com essa lei, filhos e filhas de pais não casados puderam herdar de seus pais e mães sem que fosse deixado testamento. Até 1969, filhos ilegítimos (cujos pais não se casaram) não podiam herdar senão por testamento. As cortes também puderam autorizar testagem sanguínea em casos de disputa de paternidade (o que não era possível, mesmo que a testagem já estivesse disponível desde 1930).
Family Reform Act 1987
Essa foi a reforma legislativa que aboliu completamente toda e qualquer distinção entre filhos de pais e mães casados e não casados (entre si). As denominações bastardo e ilegítimo deixaram de existir e filhos passaram a ser apenas filhos.
Curiosamente, o Brasil aboliu tais diferenças na Constituição de 1988, ou seja, quase na mesma época em que a Inglaterra.
Em outra postagem, falarei mais sobre o estigma que as crianças bastarda carregavam na época dos romances que gostamos de ler – e por que esse tema é tão comumente tratado pela literatura.
Alguma dúvida sobre o tema que gostariam de perguntar? Usem a seção de comentários!
- Fonte principal do texto: Parlamento do Reino Unido