O estigma da ilegitimidade no Século XIX

Seguindo a sequência de postagens sobre a ilegitimidade na Inglaterra, falarei hoje sobre o estigma que os filhos bastardos e suas mães carregavam na era vitoriana, o que também é bastante explorado nos romances de época que tanto adoramos.

Farei uma breve digressão histórica para apontar que, apesar do estigma que a prole ilegítima carregava, a situação das crianças bastardas era menos grave nos séculos anteriores ao XIX. Leis de 1733 obrigavam o pai a sustentar seus filhos ilegítimos e, caso não o fizesse, a mãe poderia tê-lo preso. Um século depois, uma análise da lei sugeriu que ela incentivava o adultério e a ilegitimidade e que os homens eram acusados exclusivamente pela palavra das mães e, portanto, não tinham chance de defesa.

Em 1834 a lei incluiu uma cláusula determinando que as crianças bastardas fossem sustentadas exclusivamente por suas mães. As mães solteiras eram consideradas como viúvas para a lei que oferecia ajuda financeira aos pobres. Essa lei, no entanto, foi duramente criticada pelo London Times, crítica essa sustentada pela excessivamente rigorosa moral vitoriana.

A promiscuidade tinha que ser punida da forma mais eficiente e menos custosa possível e a Comissão explorou a censura social e econômica para as mulheres perdidas na expectativa de reformar seu comportamento imoral. A nova lei isolou as mulheres para que sofressem a humilhação da ilegitimidade, um destino que alguns legisladores admitiram como indesejável, mas necessário. Sua culpa era evidente e o método de forçar jovens homens ao casamento se provou ineficaz e custoso. O ostracismo social e econômico das mulheres seria um meio mais eficiente e barato para garantir a disciplina social. […] Essa ideia foi reforçada pela observação de Lorde Althorp que fazer as “vítimas da arte da sedução manter seus próprios filhos ilegítimos era uma dádiva para a população feminina”. Elas deveriam servir como exemplos para outras e inspirar virtude colocando um fim no nascimento de crianças ilegítimas.

HALLER, 1990

A moral vitoriana fez regredir em muito nos poucos direitos que foram concedidos a mulheres que tinham filhos sem serem casadas. A lei passou a vê-las como responsáveis pelo nascimento das crianças ilegítimas e atribuiu somente às mulheres a responsabilidade por tudo que consideravam “imoralidade” e “vício”. Os homens eram vítimas, seduzidos e depois obrigados a casamentos forçados.

Como as mães e seus filhos ilegítimos eram uma afronta à moralidade, a sociedade e as instituições de caridade fechavam as portas para elas. As mulheres não conseguiam emprego e a maioria dos orfanatos não recebia filhos ilegítimos, apenas órfãos de pais casados. Se a mulher vivesse com a família quando engravidasse, ela seria expulsa em desgraça e seus parentes lhes virariam as costas. Sem suporte do governo e sem apoio da família, não podendo nem mesmo se valer da caridade, elas eram obrigadas a deixar seus filhos com terceiros, fingindo que eles não existiam, para poder trabalhar.

Foi nesse contexto que surgiram as fazendas de bebês, outro assunto bastante explorado nos romances de época e que falarei em outra postagem.

Uma das poucas instituições que aceitava crianças bastardas era o London Foundling Hospital, que foi construído em 1739. O hospital aceitava crianças com menos de um ano, cujas mães não tivessem “pecado” mais de uma vez e cujos pais não prestassem nenhuma assistência financeira. Também era exigido que a mãe tivesse um emprego garantido caso a criança fosse adotada. Essas rígidas regras foram estabelecidas a partir do Século XIX, quando as mães de crianças ilegítimas passaram a ser ostracizadas pela sociedade e pela lei – e ajudá-las era ser conivente com sua imoralidade.

O London’s Foundling Hospital

As crianças bastardas foram incluídas entre a população mais vulnerável do Século XIX. Estudos apontaram que elas tinham duas vezes mais chance de morrer antes de completarem um ano de vida.

Fontes do artigo:

Foto de Isaac Quesada na Unsplash

Tatiana Mareto

Autora de romances sensuais com finais felizes.

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