Uma das coisas que mais gosto de fazer é compartilhar meus estudos. Talvez tenha sido por isso que me tornei professora. Também amo contar histórias, e foi por isso que me tornei escritora. Quando tenho a oportunidade de juntar meus estudos com minhas histórias, eu venho aqui e escrevo um post.
Chegando ao final de mais um livro, debrucei-me sobre a obra Intuitive Editing, de Tiffany Yates Martin. Ele me foi apresentado pela Stefany Nunes e trata basicamente sobre como revisar e editar nossos próprios livros. Essa também é uma das coisas que adoro fazer.
Enquanto lia a parte que tratava dos personagens e da sua importância para uma ótima história, eu me deparei com informações que são repetidas à exaustão em todo livro sobre escrita:
- bons personagens são importantes porque leitores se conectam com pessoas, não com fatos.
- leitores precisam conhecer (e se conectar) com seus personagens logo no início.
- não devemos colar o currículo lattes do personagem ou fazer uma extensa biografia dele na primeira cena. Devemos inserir apenas o suficiente para que o leitor se importe.
“Enredo e personagens estão integrados uns nos outros” – K. M. Weiland
“Leitores não se importam com o que está acontecendo a não ser que se importem com quem está acontecendo – Tiffany Y. Martin
“Leitores amam personagens marcantes” – Joe Bunting (The Writer Practice)
Tudo isso me parece bastante razoável, mas é mais difícil executar do que parece. Afinal, como podemos construir personagens que marcam logo no primeiro capítulo sem contar logo tudo sobre a vida deles?
Não é indicado apresentar um monte de informações descontextualizadas (ou seja, sem que elas precisem aparecer na história por algum motivo) personagens logo no início: “Ele se chama João, nasceu em Salvador, na Bahia, morou na cidade até os seis anos, depois se mudou para o sudeste porque seus pais foram transferidos de emprego, estudou sempre em escola particular, fez faculdade de medicina…” Primeiro, ninguém quer ler um currículo ou a biografia da vida de determinado personagem. Segundo, porque não sobraria mais nada do personagem para desvendar, não é mesmo?
Apesar disso, não podemos deixar esse personagem protagonista misterioso por muito tempo. Se as leitoras demorarem a se conectar com ele (com a sua história de vida, com quem ele é), perderão o interesse em sua jornada – e, consequentemente, em seu livro.
Ou seja, precisamos distribuir a informação ao longo do livro (preferencialmente em cenas que mostrem a personalidade do personagem e não com um sumário sobre como ele e) e precisamos entregar logo nas primeiras cenas o suficiente para que esse personagem se torne apelativo (interessante) aos olhos das leitoras.
Tiffany Y Martin explica que devemos apresentar brevemente quem nosso protagonista é (o que é importante saber sobre ele) quando o conhecemos pela primeira vez. Mesmo que ele mude durante a história (e esperamos que ele mude!), quem ele é agora, quando o livro começa, é que importa para o leitor se conectar em primeiro lugar.
Para ajudar a apresentar personagens para a leitora, podemos usar as redes sociais e outras formas de comunicação – como newsletter, sites e vídeos. Uma forma de construir nossos personagens fora dos livros é falando deles antes do livro ser publicado, materializando-os para as leitoras antes que elas tenham um primeiro contato com eles na história.
Uma forma bem simples de fazer isso, por exemplo, é criando postagens que apresentem características variadas dos personagens para as leitoras. Em Um Lorde do Passado, fiz essa postagem sobre Flávia e Theobald:
Outra forma, que usei em Julieta Proibida, é montar aesthetics com imagens que se relacionem com o personagem e usar uma frase do livro para descrevê-lo:
Eu também faço essa apresentação dos personagens em outras redes, como fiz no twitter sugerindo Julieta Proibida como leitura:
O objetivo dessas postagens foi provocar a leitora, mas também serviu para apresentar os protagonistas antes que a história seja lida. Quem pegar o livro em mãos já sabe um pouco (aquilo que eu achei importante contar nas redes) dos personagens e já chega com informações relevantes.
É até comum ver posts como os que eu mostrei nesse texto, mas é interessante pensarmos neles não como uma forma de divulgar nossos livros, mas de construir e apresentar nossos personagens para as leitoras.
Essa estratégia, no entanto, não pode substituir o que é narrado no livro. As redes sociais e outras formas de comunicação com as leitoras podem ser um complemento para já atrair a leitora com uma perspectiva dos personagens, mas não podemos nos esquecer de que muita gente chega a nossos livros sem passar por elas.
Contar no instagram que o mocinho é um homem leal e que faz tudo pelos amigos é apenas um atrativo, uma forma de começar essa apresentação antes mesmo da história ser contada.
Ah, mas por que eu farei isso se terei que falar “tudo de novo” no livro?
Bem, no livro a gente não conta (tell), a gente mostra (show). Eu não direi: Maximiliano é leal no livro. Eu o mostrarei sendo. Não direi que ele faz tudo pelos amigos, eu o mostrarei fazendo. A leitora chega com uma expectativa e ela tem que ser preenchida na história. Se não ela ficará frustrada e a estratégia será um tiro que saiu pela culatra.
Mas e as leitoras que chegam por outros meios? Aquelas que ainda não nos seguem nas redes e nos descobriram pela Amazon ou pela indicação das amigas? Elas não receberão essa informação privilegiada de antemão. Isso não atrapalhará a história, para elas?
Não. Porque a postagem nas redes sociais, o uso de outras formas de comunicação para construir e apresentar personagens é um plus. O personagem continua tendo que ser construído dentro do livro, com toda técnica que aprendemos para contar as melhores histórias.
Falar do personagem antecipadamente nas redes é uma das estratégias que podemos usar para que nossos personagens entrem na cabeça das leitoras e penetrem fundo na alma delas. Uma forma de fazer a leitora dormir e acordar pensando nos nossos protagonistas, sonhar com eles, ficar ansiosa por saber o que vem por aí e que história eles vão contar.
Afinal, quando escrevemos romances, queremos que nossas leitoras se apaixonem por nossos mocinhos e pensem neles dia e noite, não é mesmo? Usar esse desejo como uma forma de interferir na apresentação do personagem pode ajudar a fazer com que elas (as leitoras) se importem com nossos protagonistas antes mesmos deles serem lançados ao mundo.
Por enquanto, essa é a contribuição que tenho a fazer. Esse post é mais um chamado à reflexão do que um tutorial de como fazer, então em breve podemos ter mais elementos para esse discussão. Termino por aqui com uma citação da Tiffany Y Martin que resume por que precisamos estudar sobre personagens o tempo todo:
“[…] aprender a criar personagens bem desenvolvidos, tridimensionais e palpáveis e levá-los por uma jornada significativa é a habilidade mais importante que você terá que desenvolver”. – Tiffany Y Martin
Contem para mim se vocês já usam essa estratégia e se querem continuar a refletir sobre o assunto.
Fontes de pesquisa:
- The Write Practice: Character Development: Create Characters that Readers Love.
- Wired for Story, de Lisa Cron
- Intuitive Editing, de Tiffany Yates Martin
- Creating Character Arcs, de K. M. Weiland
Foto de Kelly Sikkema na Unsplash