Faz algum tempo que estou querendo escrever sobre gancho. O motivo principal: eu abandono livros que não me conquistam no início. Simples assim. Se o livro não me contou a que veio até seus 10% (estou aqui tomando como média um livro de 300 – 350 páginas), eu perco o interesse em prosseguir.
Tenho percebido cada vez mais leitoras comentando que estão abandonado livros no início. Isso significa que uma história precisa seduzi-las logo na primeira cena, ou no primeiro capítulo, para garantir que elas queiram continuar para o próximo. Tem quem espere os 20%, tem que vá aos 30%, mas também tem quem, como eu, deixe de lado uma história quando não seja cativada nas primeiras páginas.
Não estou falando aqui de uma percepção minha. Uma história tem que conquistar de imediato. Por isso existem estudos sobre capas, sinopses, headlines – e sobre o gancho.
Gancho? Mas o que é isso?
O site Masterclass define como
[…] a técnica literária de criar um início atraente – a primeira linha ou abertura de uma história – projetada para capturar o interesse dos leitores.
O gancho não é importante apenas na literatura, ele é usado em todo tipo de escrita – inclusive acadêmica. O objetivo é fazer com que o leitor se interesse pelo que vem a seguir (o texto) logo nas primeiras frases. Nem sempre o gancho virá em uma frase ou parágrafo, por vezes é preciso uma cena ou capítulo. Mas não deve passar disso. Se o leitor precisa se estender na história para se interessar por ela, a regra é que ele não fará isso e abandonará o livro.
Seu primeiro capítulo é muito importante, e um dos motivos é porque ele conterá o gancho para a sua história.
K. M. Weiland explica que
O gancho é aquele pequeno pedacinho de “awe” que você planta na cabeça do seu leitor no primeiro capítulo para prender sua curiosidade e impulsioná-lo adiante, para que continue lendo. A coisa mais importante a se entender sobre o gancho é que ele é fundamentalmente uma pergunta, seja ela implícita ou não. Nós a plantamos na cabeça do leitor, e é essa curiosidade que os fará seguir lendo.
A pergunta a que Weiland se refere não é uma questão exata, mas a semente de uma dúvida, que faz o leitor se perguntar o que raios está acontecendo e o faz querer descobrir. Pode ser uma pergunta sobre personagens ou sobre o enredo, mas é essencialmente algo que nos deixará curiosos.
Eu adquiri o hábito de estudar os ganchos nos livros que leio para observar onde eles aparecem – se é na primeira linha, no primeiro parágrafo ou na primeira cena. Os melhores, aqueles que fisgam imediatamente, estão na primeira linha.
Mas como um livro pode te capturar na primeira linha? Vamos ver alguns exemplos.
Jane Austen, que escreveu excelentes romances que até hoje são lidos e comentados, inicia assim seu Orgulho e Preconceito:
É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, possuidor de uma boa fortuna, deve estar necessitado de esposa.
Por pouco que os sentimentos ou as opiniões de tal homem sejam conhecidos, ao se fixar numa nova localidade, essa verdade se encontra de tal modo impressa nos espíritos das famílias vizinhas, que o rapaz é desde logo considerado a propriedade legítima de uma das suas filhas.
Ela não precisou de mais do que dois parágrafos curtos para nos fazer curiosos sobre a esse homem solteiro, sobre a vizinhança, e sobre o que pode acontecer a partir daí.
Em Texas Destiny, Lorraine Heath me capturou completamente com uma frase:
His was not a face that women carried with them into their dreams.
A partir daí eu já quis ler para descobrir quem era esse homem e por que a sua face não povoava os sonhos das mulheres.
Tessa Dare começa assim Uma Semana para se Perder:
Quando uma garota se arrasta penosamente debaixo de chuva, no meio da noite, para bater na porta da casa do diabo, este deveria no mínimo ter a decência – se não a indecência – de atender.
Em Desejo à Meia-Noite, o gancho de Lisa Kleypas é:
Encontrar uma determinada pessoa em uma cidade com quase dois milhões de habitantes era uma tarefa dificílima. Ajudava bastante se a pessoa em questão se tratasse de um irmão beberrão, de comportamento previsível. Mesmo assim, não seria nada fácil.
Todos esses inícios têm um único objetivo: fazer com que o leitor, em uma frase ou parágrafo, queira ler o livro. Não se trata de uma headline, mas de uma isca lançada para que cada leitor seja fisgado pelo anzol para ser carregado adiante na sua história.
Mas, como fazer isso na nossa história? Com muita técnica e prática!
Les Edgerton, em Hooked, explica que uma cena de abertura tem uma lógica que deve ser observada em comparação a outras cenas do livro:
A cena de abertura é uma dramatização do inciting event – o que acontece para o protagonista que cria o problema inicial e prepara o terreno para que o problema principal [dilema] se desenvolva.
Lisa Cron, em Wired for Story, estabelece que o gancho ideal é aquele que apresenta a resposta para três perguntas:
- De quem é a história?
- O que está acontecendo aqui?
- O que está em jogo?
Se a sua cena de abertura apresenta essa estrutura, ela tem os elementos ideais para conquistar suas leitoras logo no início do seu livro.
Claro que o gancho é importante, mas também é fundamental que a execução da história seja condizente com o que foi apresentado nele. Não adianta um início promissor que se desenrola em uma história sem planejamento e enfadonha – isso só fará o leitor abandonar o seu livro mais tarde.
Vou deixar aqui duas indicações para quem quer se aprimorar em gancho e cena de abertura:
Por hoje é só, logo chegaremos com mais estudos!
Foto de Etienne Girardet na Unsplash